sábado, 31 de maio de 2014

TODAS DEVERÍAMOS TER ESTE DIREITO


Tem um momento na vida em que todas /todos somos:



















Pais mostram em vídeo transformação de filho transgênero de 6 anos -
http://extra.globo.com/noticias/mundo/pais-mostram-em-video-transformacao-de-filho-transgenero-de-6-anos-12658070.html

Antes de ler o que vou contar sugiro que leiam a reportagem acima.



TODAS DEVERÍAMOS TER ESTE DIREITO
Não quero que julguem que falo do caso individual de Ryland, ou da atitude dos pais dele.
Mas este vídeo me colocou para pensar e quero discutir com vocês, caso aceitem polemizar comigo (quem me conhece sabe que adoro):

Nossa sociedade é muito rígida com a identidade de gênero das crianças, principalmente das meninas, que tem obrigação de uso de símbolos de feminilidade, tipo: uso de brincos, desde bebezinha, presilhas no cabelo, vestidos de babadinhos de cores suaves com algum acessório rosa, é claro. e principalmente: brincar "comportadinhas", não se sujar, não xingar, não expor o corpo, não expor opiniões fortes, não lutar física e verbalmente por suas idéias. Qnd chegam na adolescência provocam extrema preocupação, cuidados e recomendações nos pais e responsáveis, pois vão sair pra "passear na floresta e ser alvo dos meninos, todos eles considerados parentes do lobo mau" - a maioria não é, mas vamos descobrir isso só depois.

Meninas que  tem irmão ou família extensa variada, descobre cedo que os garotos, brincam mais, de forma mais física e competitiva, testando sua força física e mental, jogos, roupas e programas de meninos são mais práticos e mais divertidos, muito menos lúdicos e com poucos estímulos ao pensamento mais complexo e simbólico, é verdade; mas eu os achava muuuito mais divertidos.
E esse é o ponto aqui: Meninas tem o direito a diversão muito mais restrito, somos mais educadas e por isso mais travadas.

Pensando sobre minha própria história de vida: como a mais nova de quatro irmãos, todos em casa eram mais velhos, mais sabidos e safos, éramos 2 garotos e 2 menina, aprendi cedo os privilégios do mundo masculino.Reconheço hoje que eu e minha irmã tínhamos uma personalidade muito diferente, minha irmã foi uma criança doente na primeira infância, por isso despertava na mãe e no pai um extremo cuidado, além de ter sido uma menina pequeninha, magrinha e tímida (sei que isso é surpreendente para quem a conhece hoje, mas é assim que lembro dela).
Eu sempre fui gordinha, briguenta, chorona, faladeira, odiava roupas cor-de-rosa e que chutava a canela das pessoas que eu não gostava (vocês perceberam a autoimagem suuuper feminina).
Minha infância foi toda numa comunidade da periferia de Porto Alegre, chamada Vila dos Ferroviários, na Zona Norte, brincava muito com o irmão de idade mais próxima a minha, jogava bola, bolita (bolinhas de gude) e gostava muito de pular corda e sapata (amarelinha) mas minha mãe tinha a certeza de que a rua não era lugar de menina brincar, mais tarde, de que menina não podia sair de noite sozinha (só ganhei permissão de ir a festas noturnas quando construí uma rede de amigos e amigas que voltavam juntos/juntas, ou que solidariamente dormíamos umas na casa das outras) apesar do que minha irmã costuma dizer  (que eu sai de noite muito mais nova que ela), eu só podia sair porque tinha turma. Nossos irmãos, homens/garotos, tinham direito de ir e vir, com financiamento paterno para as festas, desde muito cedo (mesmo sendo pouca grana, pois era curta pra toda a família)  Eu sempre saia com uma graninha que a mãe me dava, sem o pai ver, porque ela dizia que as mulheres tinham de financiar sua bebida, pra não dever "favor" aos caras.
Até a minha adolescência eu dizia a todas e todos que quisessem ouvir que queria ter nascido menino, porque ser menino era mais legal. Hoje sei que nem fui ouvida pela maioria das pessoas, porque não ouvem o que uma criança fala, ainda mais se for uma menininha, quem chegou a ouvir dizia: é só uma fase, vai passar.
Minha mãe na sua simplicidade e sabedoria, percebeu a revolta e deixou mais livre, só um pouquinho: me deixou vestir, exclusivamente, abrigo e tênis durante dois anos inteiros (me recusava a usar saia, sempre adorei sentar no chão e cruzar as pernas), deixou que entrasse no time de handboll da escola (futebol era coisa de menino, ainda bem que isso mudou, um pouco), me incentivou a estudar e dizia que só devíamos ter filhos depois que nós pudêssemos assumir a responsabilidade sem contar com os homens (numa perspectiva sexista, mas completamente realista e pragmática).

Hoje minha construção de identidade feminista passa por estes tempos de liberdade na infância, então venho aqui pra dizer que todas deveríamos ter o espaço de experimentar, de ser um pouco, muito ou tudo, meninos/homens.
Porque acho muito educativo para que possamos reconhecer privilégios e limitações, que nosso gênero nos impõem.
Olho para trás e me pergunto se hoje seria alguém diferente se tivesse tido uma experiência com a de Ryland, tendo a pensar que eu seria alguém diferente, mas que provavelmente teria a mesma identidade sexual que tenho hoje: sou hetero e gosto! Quanto a identidade de gênero, não me penso sem ser mulher, me acho pouco "feminina", talvez fosse menos ainda se tivesse tido experiências socilizantes diferentes, mas quem disse que só tem o modo "patriarcal capitalista" ditado pelas revistas femininas de ser mulher?
Desejo que a Ryland, como todas as crianças tenha seu espaço de descoberta sexual e de identidade respeitado, como tento dar ao meu filho, como eu e meu companheiro discutimos e construimos (sei que nem sempre consigo, mas a gente busca e discute isso enquanto educadores responsáveis de nossa criança/menino em fase de adolescer)!

Ah, se você leram a reportagem e não viram o filme vejam, tá sem legenda e mesmo senão entender quase nada do inglês e vai perceber do que eu falo!


tchau!

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Sobre estupro, pesquisas e poder...

Muito se falou de pesquisa e de suas implicações na cultura e no comportamento real e virtual das pessoas no último mês, depois da malfalada, desastrada pesquisa sobre a percepção dos brasileiros sobre a violência contra mulher, prefiro chamar assim.
Sendo prática, para que serviu esta pesquisa mesmo?
colocar mais mulheres nas redes e nas ruas dizendo não ao merecimento da violência, recolocar o debate da criminalização das vitimas do estupro, de uma forma horrível, mas colocou.
Depois de tudo que ouvi, ficou só uma certeza, nós temos de aprofundar a discussão, precisamos pensar mais, e é só isso que faço aqui.

Quem quiser pensar comigo fica convidada/o, mas se quiser falar merda, vai lá no blog do cara que diz que acha engraçado.

Pontuando o óbvio: o estupro tem várias faces horríveis, sempre guiadas pelo poder, a dominação.

1) do marido/dono que quer reafirmar sua posse sobre o corpo/mente/dignidade da esposa/mulher.

2) do homem, personificação da hetero normatividade que quer corrigir/dominar/punir a mulher livre/lésbica/que almeja ser livre/sexual/homem, o chamado estupro corretivo.

3) do pai/irmão/avô/parente que resolve usar/dominar/tomar a virgindade (tão valorizada pelo patriarcado) da menina/mulher antes que outro homem a tome dele, tentando retirar assim ainda na infância a sua liberdade.

4) do homem que escolhe sua vitima/mulher como uma presa/caça/animal seja ela conhecida ou desconhecida, numa clara atitude de controle autorizado socialmente sobre as fêmeas que ousam rejeitar seus dotes animalescos, pelo menos este é o discurso.

5) do homem que estupra a prostituta porque ele comprou, pagou e é dele, para usar do jeito que bem quiser, independente de qualquer contrato.

Estupro é a face mais clara da misoginia, ódio ás mulheres, e assim deve ser revelada!

Nesta hora torno a me questionar: e o que mais? o que caminha junto destas relações de poder e ódio que precisam ser reveladas? o que precisamos fazer para que possamos criar politicas públicas protetivas para todas as mulheres? como fazemos para constranger, criminalizar, julgar, condenar e prender estes agressores.

O que eu quero realmente saber das pesquisas: 
quero saber o que uma pesquisa de opinião não vai revelar, quero saber mesmo é:
quantas de nós mulheres conseguimos nos libertar da culpa? da autocriminalização? da vergonha? do medo? do estigma da violência? das marcas do ser vitima?

Quero saber como implantar politicas publicas de apoio, promoção e tratamento para as mulheres assediadas e estupradas? como trazê-las aos Centros de Acolhimento e Atendimento ás Mulheres? 
Quero saer do Judiciário e dos legisladores, cadê a criminalização destes agressores? ou só vale a lei qnd os operadores do direito caracterizam a violência doméstica? A lei Maria da Penha tem mais e para além da violência doméstica, tirem os óculos do patriarcado e façam seu trabalho de aplicar a lei, mas até isso fica difícil, quando ainda acham que agressores são só os maridos.

E nós, o que estamos fazendo por nós mesmas? quantas ainda esperam que a vizinha, amiga, mãe e irmã crie coragem, faça valer seu direito sozinha? o que eu quero mesmo saber é quantas de nós MULHERES e feministas já demos colo/apoio e respeito a uma amiga, conhecida ou desconhecida que foi assediada/abusada por um homem? quantas de nós gritamos na rua juntas por respeito, qnd fomos molestadas com palavras e gestos em público? e ajudaram a constranger este agressor, a chamar a policia (o fiscal no trem?), para ajudar outras mulheres e nos defendermos juntas!

O que eu quero mesmo é saber o que faz com que eu, vocês, nós olhemos para uma outra mulher com solidariedade/respeito/sororidade e sintamos a sua dor, como faz para perceber que estamos juntas com as mesmas algemas patriarcais?


Aí lembro de uma de nossas mestras que diz:




Que eu possa ouvir os barulhos de nossas correntes, é a música que mais anseio ouvir!